Bíblia, liturgia, meditação: o tripé da cultura religiosa infantil segundo Hélène Lubienska de Lenval

Navegando no Facebook entrei, hoje, em contato com a página Liturgia e Pedagogia. A proposta é disseminar o método pedagógico da educadora polonesa Hélène Lubienska de Lenval, que afirmava ser a liturgia católica um locus excelente para o aprendizado completo das crianças cristãs.

Ainda que, no Brasil, algumas instituições associadas a ela tenham distorcido seu pensamento para aplicar conceitos mais ligados à visão litúrgica de Ione Buyst e a métodos construtivistas - o mesmo fizeram com Maria Montessori -, a intuição original de Lubienska é profundamente católica. Os ritos da Igreja, para ela, ainda que tenham por função principal dar culto a Deus, são, pela sua expressão, um método educacional.

Não tive acesso aos livros de Lubienska, e pouca coisa dela já li. Um texto dela, entretanto, presente na página citada, me chamou bastante a atenção:
"Para dar às crianças uma cultura religiosa, é indispensável que mergulhemos em suas fontes: a Bíblia, a liturgia, a meditação. E, cada vez que o fazemos, podemos constatar com alegria que a criança aí se encontra... como peixe na água."

Penso que os pais devem refletir sobre tripé das fontes de uma cultura religiosa para os seus filhos. Sem embargo de outros recursos, como a vida dos santos e a leitura de catecismos, é na Escritura, nos ritos eclesiásticos e na oração meditativa que nossos filhos aprenderão a ser cristãos.



Hélène Lubienska crê que se deve formar os filhos para a vida, dando-lhes uma cultura geral, evidentemente. Não se trata de transformar a educação domiciliar ou a instrução na escola em mera aula de catequese. Todavia, não se pode separar tão radicalmente o ensino religioso do profano na vida de crianças cristãs. O ambiente espiritual deverá informar também o conteúdo das matérias profanas. Em outra ocasião, escreverei sobre isso, a partir de futuras reflexões dos textos de Lubienska.

Hoje, quero chamar a atenção para a formação especificamente religiosa dos filhos que Deus nos deu a partir das fontes descritas pela educadora polaca.

01. Bíblia

Somos católicos, não protestantes. Essa distinção deve ser o ponto de partida para nosso uso da Sagrada Escritura. Sempre lemos a Bíblia a partir da Revelação que não está somente nela contida. Temos que ver sempre a Escritura ao lado da Tradição oral, e lidas ambas de acordo com o Magistério. É a ele que Jesus, Nosso Senhor, deu o poder de falar em Seu Nome.

Isso não faz com que, ao contrário do que nos acusam os protestantes, tenhamos menos intimidade com a Palavra Escrita de Deus. Ao contrário, coloca a Bíblia no seu devido lugar de honra e em conexão com toda a Revelação. Bíblia e Tradição se auxiliam na compreensão da doutrina.

As crianças, desde cedo, devem ter contato com a Bíblia, sobretudo os Evangelhos. Antes mesmo de saber ler, é preciso que os pais lhes contem as passagens mais significativas da vida de Cristo e algumas histórias do Antigo Testamento que apontam para Ele, que lhes vão desvendando todo o plano de salvação, a partir da queda de nossos pais até a vinda do Messias. As bíblias infantis, ricamente ilustradas, e com adaptações à linguagem da criança, auxiliam bastante nesse processo, e é bom que se tenha mais de uma versão em casa, para aumentar o panorama: ter mais histórias, diferentes desenhos, mesmas passagens contadas de maneiras diferentes, e acostumar a criança a ver a importância das Sagradas Escrituras quando os pais lhe presenteiam com diversos exemplares distintos.

Ao crescer e dar seus primeiros passos na leitura, a criança pode ler, por si mesma, os textos de suas bíblias infantis, e até mesmo, conforme o caso, a idade e a maturidade, sempre com a ajuda dos pais, que lhes explicarão os passos mais complicados, beberão diretamente em uma Bíblia normal. Eu, quando criança, lia muito a Bíblia da Ave-Maria da minha mãe. Ficava encantado com as narrativas dos reis e dos profetas, com as histórias dos patriarcas Abraão, Isaac e Jacó, com a epopéia de José do Egito, com a libertação do Povo Eleito do Egito mediante a liderança de Moisés, com a trajetória no deserto até a conquista da Terra Prometida por Josué.

Santa Teresinha interpretando Santa Joana d'Arc
em uma peça teatral no Carmelo
Pela própria característica das crianças, o contato com a Bíblia deve ter sua parcela lúdica, sem, entretanto, comprometer a seriedade. Deixemos as crianças, mesmo bebês, manusearem suas bíblias infantis, pegarem (com supervisão dos pais para não estragarem ou rasgarem folhas) um exemplar normal da Bíblia, leiamos histórias para elas, e as incentivemos a ler também quando possam. 

Uma atividade interessante seria contar para as crianças uma história bíblica e pedir que, depois, a criança reconte com suas próprias palavras ou, dependendo da idade, que ela interprete o que foi contado, como se fosse um teatrinho. Santa Teresinha, mesmo já carmelita, fazia muito isso com as demais monjas de seu convento, interpretando a vida dos santos e cenas bíblicas. Esse costume ela desenvolveu no seu lar, quando ela e suas irmãs eram crianças.

É preciso regularidade e compromisso na leitura bíblica das crianças mais velhas, mas isso só será eficaz se o costume de ler a Bíblia para elas começar desde bem novinhas, para que tomem gosto pela Palavra de Deus.

Claro que nesse particular entra a dinâmica própria de cada lar. Alguns acharão por bem ter um momento do dia, já fixado na agenda, para a leitura em comum (do casal e dos mais velhos) da Bíblia, explicando para os mais novos algumas coisas. Outros separarão a leitura dos mais maduros daquela dos menores. Ainda é possível que se leia uma história bíblica na cama, antes de dormir. As técnicas são várias e cada casal saberá aplicá-las em sua realidade, com o auxílio da sua consciência e de um bom diretor espiritual.

Nas grandes festas da Igreja, de acordo com o calendário litúrgico, em que algumas passagens bíblicas têm capital importância com o santo ou o mistério celebrado, é bom que se faça uma leitura mais solene em família, com a explicação dada pelo pai ou pela mãe.

A leitura semanal do Evangelho da Missa de Domingo e uma subsequência reflexão partilhada pode ser uma boa ferramenta também.

"O Evangelho é o primeiro texto que uma criança cristã deve aprender de cor. Não basta narrar-lhe a vida de Nosso Senhor, é preciso deixar que as palavras do Cristo se gravem nela para a vida toda. Assim refletia uma criança de 09 anos: 'Eu poderia ficar assim toda a minha vida, ouvindo o Evangelho.'" (Hélène Lubienska de Lenval)

Enfim, os pais podem planejar, para as crianças mais velhas, um plano anual de leitura de boas porções da Sagrada Escritura, contemplando todos os Evangelhos e os Atos dos Apóstolos, as mais importantes Epístolas, e algumas passagens fundamentais do Antigo Testamento (criação do mundo, pecado original, história de Noé, a saga de Abraão, Isaac e Jacó, a vida de José do Egito, a libertação de Israel por Moisés e a conquista da Terra Prometida, Sansão e Dalila, a vocação de Samuel, os pontos mais importantes da vida do rei Davi, alguns Salmos e trechos dos Provérbios, e um sumário sobre os profetas). Essa leitura será individual e os pais estarão sempre dispostos para auxiliar na compreensão de um ponto controverso, explicado, claro, com as luzes do Magistério e da Tradição.

A leitura da Bíblia pelas crianças forma nelas diversos valores cristãos e humanos e solidifica a imaginação moral, o que muito contribuirá não só para a sua vivência religiosa como para o desempenho de suas tarefas seculares. 


02. Liturgia
"Na prática, como ligar o ensino da doutrina à educação muscular? Pela liturgia. A liturgia cristã é um resumo prático da fé cristã: não podemos dissociá-las. A Liturgia é mais compreensível a criança do que a doutrina, como o gesto lhe é mais compreensível que a definição." (Hélène Lubienska de Lenval)

A liturgia é vivida em família principalmente pela frequência à Missa aos Domingo e festas de guarda. Mas também pelas Missas em outros dias, quando possível. Também a recitação em família do breviário, as bênçãos litúrgicas dadas por um sacerdote ou diácono (ou por um leigo, como por exemplo, o pai de família, quando o Ritual autoriza), e a celebração dos sacramentos, são momentos em que a liturgia da Igreja toca o coração de nossos lares.

Porém, essa liturgia não se faz presente apenas um momento no templo ou em ocasiões mais "religiosas" do cotidiano da casa. O ano litúrgico, por exemplo, apresenta diversos santos e mistérios que podem ser celebrados, em família, como uma "liturgia doméstica". Não se trata, de modo estrito, de uma liturgia, de um culto público, mas de deixar a liturgia influenciar o dia-a-dia. Uma receita especial com alguma ligação com o santo do dia, o decorar a casa pelo Natal, o cobrir as imagens no fim da Quaresma, as velas acesas pela Apresentação do Senhor, são exemplos singelos de como fazer isso.


Veja nossas atividades práticas de piedade para as crianças.

Com a liturgia bem presente na família, tanto na Igreja quanto em casa, a criança terá uma profunda cultura religiosa, que auxiliará em sua formação espiritual e na sua educação não só para a fé como para a vida "comum" (pela ajuda em sua imaginação moral, por exemplo, ou no sentido de que se deve respeitar momentos solenes). O desenrolar do ano eclesiástico, com a espera do Advento e as luzes de Natal, o início do Tempo Comum (em que se preza justamente a santificação e o apostolado nas tarefas diárias, profissionais, estudantis, familiares, a "pequena via"), a austeridade da Quaresma e a plena alegria da Páscoa, fala muito ao coração da criança sobre como viver cada etapa da vida, quando falar, quando calar, quando celebrar, quando renunciar, bem como no cultivo das virtudes próprias de cada tempo. O contínuo celebrar dos santos serão, outrossim, ocasião de apresentar a biografia desses heróis da fé e dar a nossos filhos exemplos bem concretos de como honrar a Deus e fazer a coisa certa, buscando inspiração para a vida de cada um em quem viveu as virtudes em grau heróico. 

"O gesto litúrgico é uma ascese. Ascese no sentido estrito, impõe ao corpo e a alma atitudes conformes com as exigências do espírito. Longe de diminuir o homem, desenvolve-o, rodeia-o de beleza, fá-lo saborear a paz. Porque não corrigir as deficiências da escola, tomando a Liturgia como norma dos nosso esforços educativos?" (Hèlene Lubienska de Lenval)

A liturgia vivida em família ensina os filhos a se comportar, a ter decoro na oração, a querer o justo e o bom tal qual os santos celebrados quiseram. Frequentando o altar e o confessionário, nossas crianças aprenderão o sentido do sacrifício e do reconhecimento das faltas, o que é fundamental não apenas para a espiritualidade cristã sadia, mas para a vida, para a futura carreira profissional, para as amizades e os relacionamentos. Perceberão, pelos variados símbolos, todos riquíssimos, dos nossos ritos, ensinamentos valiosos para elas.

A criança "gosta das belas igrejas sombrias e silenciosas, onde a luz centrada sobre o altar reflete o esplendor de Deus. Gosta do canto discreto, das luzes distantes; gosta da linguagem muda e eloquente dos gestos litúrgicos, cujo sentido não é necessário explicar-lhe, pois gosta de repeti-los e aprende por instinto a atitude de alma que eles implicam. Não exprime cada inclinação o respeito, cada beijo o amor, a confiança, a ternura? Cada genuflexão não é uma homenagem e não são um apelo os braços abertos? Ensinar pela ação, exercitar à oração pelo gesto litúrgico foi, desde o início, a pedagogia da Igreja. Criar uma ambiente favorável a oração: tal é o segredo de sua influência." (Hèlene Lubienska de Lenval)



































Além disso, a liturgia, acompanhada pela formação adequada dos pais, prepara as crianças para uma vida profunda em contato com o mundo espiritual, dócil às inspirações divinas e ao ensinamento da Igreja:

"Muitas vezes almas perturbadas ficam sem apoio nenhum, porque a psicologia moderna, cada vez mais influenciada pelo materialismo, procura explicar tudo pelo estado físico ou pelo turbilhão dos instintos. A ciência recomenda-lhes repouso, receita-lhes drogas, favorece-lhes a introspecção e o egocentrismo, sendo que essas almas atormentadas precisam de uma mão firma que as tome e as eleve acima das tempestades físicas e psíquicas, para as colocar resolutamente na presença de Deus: presença inacessível aos sentidos, mas perceptível a fé. É o que faz a liturgia, ela nada ignora do que atormenta o homem, admite sua miséria e transforma-a em motivo de confiança. Quare tristis es anima mea e quare conturbas me?" (Hèlene Lubienska de Lenval)

Aprenderá a criança, pela assistência à Missa, a viver no tempo em função da eternidade, a ter os critérios eternos para julgar as coisas fugazes do seu cotidiano:

"Na Missa, a eternidade é condensada no tempo, e o tempo adquire um valor de eternidade." (Hèlene Lubienska de Lenval)

As próprias fórmulas litúrgicas de preces, coletas e hinos deveriam ser decoradas pelas crianças, para que introjetem o vocabulário clássico da oração cristã e aprendem, com os mestres que as compuseram, a fazer suas próprias orações pessoais, sempre a partir dos grandes temas que nos propõe a Igreja, sem descuidar, contudo, de ter uma profunda amizade com o Senhor e uma intimidade, como se verá no ponto a seguir sobre a meditação.

"A Liturgia, porque escola de oração teocêntrica é escola de silêncio interior. (...) "Método pedagógico no sentido estrito, a Liturgia comporta todos os elementos essenciais, constituintes de um sistema de educação coerente – um meio favorável ao recolhimento (a igreja), uma disciplina muscular e sensorial (atitude dos gestos) e uma cultura intelectual (leituras bíblicas)." (Hèlene Lubienska de Lenval)

 03. Meditação

A oração mental ou meditação não é um plus, mas fundamental na vida cristã que pretende atingir a maturidade espiritual. E a ela podemos acorrer desde pequenos, formando em nossas crianças o gosto de, nem que seja por uns breves instantes, fechar os olhos, refletir sobre um tema proposto e, em silêncio, pedir a ajuda de Deus.

"O silêncio interior é o ponto de encontro da alma com Deus. Enquanto o homem se dispersar e esbanjar o seu 'eu' no ruído, na pressa e na vaidade, não poderá encontrar Deus. É necessário que ele se concentre e se recolha para que possa 'esperar no silêncio a salvação de Deus' (Lam., III,26). Nesta ordem de idéias, a educação religiosa – que não tem outro fim que o de facilitar o encontro da alma com Deus – apresenta-se como um caminho para o silêncio." (Hèlene Lubienska de Lenval)



O exame de consciência antes de dormir, auxiliado pelos pais, pode ajudar nessa tarefa, ainda mais quando, de acordo com a idade, esse analisar dos pensamentos, palavras, atos e omissões do dia que se encerra for unido a um ponto específico de meditação para o dia seguinte. Os pais muito têm a ver com essa missão de ensinar os filhos a meditar.



Para isso, é preciso, antes de tudo, que os filhos vejam os pais meditando, que se acostumem com a idéia de que pai e mãe se recolhem, individualmente, por quinze minutos, meia hora, diariamente, para seu encontro pessoal com o Senhor.

Aqui em casa, é frequente que a Maria Antônia e o Bento, madrugadores que são, acordem pouco antes de eu começar a minha meditação diária. Preparo-lhes o leite, ponho-os a brincar ou a ver algum desenho na TV por assinatura, e me recolho para um local perto o suficiente deles para não os deixar sem vigilância, mas igualmente com certa distância para que eu não perca a concentração, pego meu livro de oração, canto o Veni Creator em voz alta (não tão alta para não acordar a Aline e a Theresa), e em seguida concentro-me a fazer oração, em silêncio, revendo os pontos da meditação, pedindo as luzes de Deus, conversando com Jesus, a Virgem e o meu anjo da guarda, sobre o assunto em pauta, e tirando, enfim, uma conclusão para o meu dia. O exemplo que dou aos meus filhos certamente despertará neles a valorização de que isso é importante. Não faltaram vezes, aliás, em que a Maria Antônia, que conta agora com apenas três anos, venha para o meu lado e pegue um santinho na mão ou seu terço e fique me acompanhando em silêncio, por vezes balbuciando coisas ininteligíveis apenas para me imitar, e depois da oração diga: "Papai, eu também rezei contigo."

Conforme a idade, é bom que os filhos façam sua própria meditação, sem os pais. Livros de espiritualidade, a Imitação de Cristo, e escritos dos santos ajudam nisso. Os pais podem preparar os pontos ou sugeri-los, e cada filho fará sua oração de modo bem pessoal.

A meditação, como diz a autora em comento, é crucial na verdadeira educação religiosa, e servirá, ademais, para uma equilibrada e integral formação do ser humano. Deus colocou filhos em nossas famílias para que sejamos Seus instrumentos nesse processo.

"A educação religiosa deve começar por desenvolver na criança o senso de reverência e por torná-la atenta a Deus." (Hèlene Lubienska de Lenval)

Rafael Vitola Brodbeck

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